“Era
inverno e elas entraram às pressas pela porta dos fundos; duas crianças em
casacos surrados e pequenos para o seu tamanho.
- “A
senhora tem aí uns jornais velhos”?
Eu
estava ocupada. Queria dizer não, mas olhei para os seus pés e vi que usavam
sandálias abertas. “Entrem, que eu faço uma xícara de chocolate para vocês”.
Suas sandálias encharcadas deixaram marcas na pedra da lareira, mas não
consegui reclamar.
Servi
o chocolate quente acompanhado de torradas com geléia e voltei para a cozinha,
onde retomei meu trabalho.
Estranhando
o silêncio na sala da frente, fui até lá ver o que estava acontecendo.
A
menina segurava a xícara e a olhava atentamente. O menino me perguntou numa voz
sem emoção:
-“Moça,
a senhora é rica”?
-
“Rica? Eu? Misericórdia”!- Olhei para meus sofás já gastos.
A
menina pôs a xícara sobre o pires, cuidadosamente.
-
“Suas xícaras combinam com os pires”. Sua voz era a de uma pessoa mais velha,
com uma fome que não vinha do estômago.
Eles
saíram, segurando os maços de jornal, lutando contra o vento. Nem agradeceram,
mas não era necessário. Tinham feito muito mais do que isso. Xícaras e pires
tão simples, de louça azul. Mas combinavam. Virei o assado e coloquei as
batatas no molho. Batatas com molho ferrugem, um teto sobre a cabeça, meu
marido com um emprego estável; essas coisas também combinavam.
Tirei
as cadeiras de perto da lareira e limpei a sala. As pegadas cheias de lama
ainda estavam por ali, e eu as deixei ficar. “Quero que permaneçam no mesmo
lugar, caso eu me esqueça novamente de como sou rica”.
Os
dias passam, as coisas acontecem, o tempo corre, e nós muitas vezes nos
esquecemos de todos os dons e talentos que possuímos. A nossa tendência é
reclamar e sofrer por coisas que ainda não temos ou não conseguimos...
Por
onde anda nossa sensibilidade? Por onde caminha a nossa capacidade de sentir a
necessidade dos que estão perto de nós?
Se
olharmos atentamente ao nosso redor, contatamos que temos muitas coisas boas,
agradáveis, bonitas... Podemos realizar muitos desejos, por pequenos que sejam,
pois, há condições para isso.
Cada
dia o sentimento de gratidão deve crescer em nosso coração! Precisamos ser
agradecidos pela vida, pela saúde, pela família, pelo trabalho, pelos sonhos e
projetos...
O
convívio com as pessoas exige de nós a atitude da partilha, da troca, da
disponibilidade em ajudar, em retribuir...
O
simples caso contado pela escritora Marion Doolan, nos propõe a pensar o quanto
somos ricos e cheios de talentos, que podem e devem ser repartidos com as
pessoas que estão perto de nós. São habilidades físicas, são habilidades
emocionais, são gestos e atitudes de atenção que abrem perspectivas, que
incentivam a viver, que enriquecem a vida com alegria e beleza.
Podemos
promover para nós mesmos e para os outros, importantes descobertas, como:
perceber significados especiais, reacender esperanças, promover mudanças, curar
mágoas e feridas, iluminar o coração...
E,
tantas outras coisas que Deus nos inspira e nos dá a possibilidade de ver se quisermos enxergar!...
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