Teatro
Aplicado, bem aplicado! (Plínio Marcos)
Foi há bastante tempo que o
Tom Santos, que eu não conhecia pessoalmente, me chamou para ir conversar com
ele num teatro que, dizia, estava construindo na Avenida Brigadeiro Luis
Antônio, ao lado da Federação Paulista de Futebol, onde em outros tempos
funcionou o teatro da gloriosa rainha imortal do teatro brasileiro, Cacilda
Becker. Teatro esse que os cartolas do futebol com as ideias de jerico que lhes
é peculiar, acabaram por transformar em uma escola de juízes, que podia
funcionar em qualquer saleta.
Mas deixa isso de lado. O
que quero contar e o que pesa na balança é que fui ao tal encontro com o Tom
Santos. Ao ver o lugar, fiquei pálido de espanto.
Fiquei assombrado de ver a
ruína de dois casarões velhos que o Tom Santos afirmava que, embora não tendo
dinheiro, ia transformar no seu teatro. Eu nunca fui de derrubar sonho bonito
de ninguém. Mas também não sou de embarcar em canoa furada.
Duvidei do cara. Dei meu
incentivo mas me mandei. Aqui, ói, gaivota! Eu estava achando o cara pirado da
cuca. Semana passada, recebi um alô para participar de uma mesa redonda, ou
feira, no Teatro Aplicado. O moço Tom Santos tinha conseguido transformar as
ruinas dos casarões em teatro. Por sinal um bonito teatro, e, estava dando
continuidade ao seu plano de cultura popular.
Plano esse que ele me
contou quando a gente conversou nas ruínas. O Tom tinha provado seu valor no
meio da batalha!
Praticamente sozinho
construiu seu teatro! Lançou uma peça brasileira de muito valor. Queria apoio para sua feira: ninguém podia
negar a ele esse apoio. O excelente compositor Marcus Vinicius foi encarregado
da coordenação; isso ainda dava maior seriedade ao movimento. E fomos lá.
Fomos eu, o José Ramos
Tinhorão, o Walter Silva, o José Marcio Penido, e o próprio Marcus Vinicius, e
falamos primeiro para uma plateia atenta, cheia de curiosidade, e vibrante, que
lotou totalmente o Teatro Aplicado do Tom Santos, que modestamente ficou no
meio do público. Foi uma beleza! Quem quis falou livremente. Quem quis, teve
chance de contestar a posição de qualquer medalhão. As mumunhas foram rachadas
com muita franqueza. E foi uma noite gloriosa de liberdade de expressão. Muitos
compositores presentes e vários poetas que ainda se angustiam na ânsia de
encontrar suas formas de dizer. Mas acho que o tempo que ocupamos no Teatro
Aplicado, foi muito bem aplicado. Todos os presentes saíram inquietos. E certos
que é muito importante saber da realidade. A feira de música popular vai prosseguir
no Teatro Aplicado todas as segundas-feiras. Tenho certeza de que vai dar
frutos muito bons. Parabéns ao Tom
Santos, que está fazendo isso generosamente, sem fins lucrativos! Parabéns ao
ótimo compositor Marcus Vinicius pela iniciativa de organizar a feira; parabéns
a moçada que piou na parada a fim de discutir e estou muito grato por ter sido
convidado a participar.
O Tom Santos está querendo
encontrar dia para fazer um debate sobre
teatro popular brasileiro.
O momento atual sem dúvida
é de tomada de consciência da realidade. Isso será feito através de debates
livres e francos como o realizado segunda feira passada no Teatro Aplicado. Ninguém
deve se acanhar em ir lá e colocar seus pontos de vista com coragem, mesmo que
isso se choque com o da maioria.
Debate não é encontro de
pessoas que penam todas em bloco.
A verdade é que debates
sobre temas nacionais e sobre o que está acontecendo motivam os jovens, e é
muito bom.agora, cabe a todos nós vigiarmos para não permitirmos os modismos
culturais. Nós temos que defender as manifestações espontâneas do nosso povo e
também dos nossos artistas. O modismo leva muitas vezes o artista que está
começandocarreira a sufocar o melhor de si, a sua criação brotada do fndo das suas
entranhas ditada pelos seus mais ternos sentimentos pra se filiar à corrente em
voga, nailusão de ganhar projeção pessoal. O modismo cultural é uma censura
terrível tão macabra como a censura policial.
Mas para cada artista ter
independência criadora é necessário que ele tome conhecimento da realidade em
que vive. Aí, sim, ele pode se soltar e falar independente dos grupelos
elitistas que são os que ditam as modas culturais. Um artista sempre bota na
sua obra o que tem dentro de si. E se ele não tem consciência da realidade, ele
só bota suas confusões.
Plínio Marcos
Edição n.º 1000 – página 05
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