sexta-feira, 19 de abril de 2013

A talentosa Lygia

                                                        
Autora de uma obra de estilo elegante, ecos machadianos e um permanente estado de espírito que permite manipular a escrita com firmeza e serenidade, Lygia sempre oferece ao leitor a oportunidade de pensar sobre suas existências.” (Ubiratan Brasil, em O Estado de S.Paulo, 13/4)

            Hoje, a escritora Lygia Fagundes Telles completa 90 anos cheia de energia,  madura beleza e serena felicidade, como mostra a foto de Eduardo Nicolau (Estadão, 13/4/2013).

             Praticamente uma unanimidade, entre os críticos, para ela a literatura sempre foi um caminho para mudar o mundo, seja pelos detalhes do cotidiano, ou pelo devaneio  criativo. Seus temas são universais: o amor, a paixão, a loucura, o medo, a morte.

            Autora de inúmeros romances e contos (“Ciranda de Pedra”, “Verão no Aquário”, “As meninas”, “Antes do Baile Verde”, “Seminário dos Ratos”, entre outros), Lygia afirma que “A Disciplina do Amor” é seu melhor livro. Nele, os contos se constituem de reflexões minúsculas ou anotações cotidianas a respeito de um tipo de disciplina a do amor sobre a qual não se tem controle. A escritora reinventa discursos apaixonados (e apaixonantes) de sua memória de vida e os traduz para a realidade ficcional. Os textos são fragmentos dispersos, partes de diários, escritos de viagens, fantasias e reminiscências, como neste belo trecho:

Por que não lhe disse antes?
Apertá-lo demoradamente contra o meu peito e dizer: não disse porque pensava que tinha pela frente a eternidade. Só me resta agora esperar que aconteça outra vez, vislumbro esse encontro, mas vou reconhecê-lo? E vou me reconhecer nos farrapos da memória do meu eu?
Peço que me faça um sinal e responderei ao código secreto na mente e no silêncio dos navios que se comunicam quando cruzam no mar.

            Em todas as entrevistas que concede, Lygia Fagundes Telles sempre relembra seu encontro com Monteiro Lobato (preso de março a abril de 1941, sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas), fato que a marcou profundamente:

Seus personagens não eram culpados pela sua prisão, mas sim as cartas que andou escrevendo, ou melhor, as denúncias que andou fazendo através dessas cartas. Porque livros os governantes não liam mesmo. Deviam ler, mas não liam e daí a ideia das cartas curtas e diretas, "para avisar que o petróleo é nosso", ele me disse. Quando contei que estava na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ele abriu os braços num gesto radiante: "Pois foi lá que eu me formei! Só que na nossa turma não tinha meninas, só marmanjos. Quer dizer que a mocinha vai advogar?" Comecei gaguejando, bem, era difícil explicar, eu era uma estudante pobre, queria me formar para ter um diploma e assim arranjar um bom emprego. Na realidade queria ser escritora, escrever contos, romances...

            Do mesmo modo, sua amizade com Hilda Hilst e Clarice Lispector também são sempre relembradas.
            Os versos de Hilda:

De espaço-tempo/ de corpo e campo/ teu fundamento. // E teu nome é matéria./ Única./ De estrutura/ infinitamente múltipla.

e o miniconto de Clarice:

Começou a cantar, interrompeu-se e disse: “estou cantando em minha homenagem. Mas, mamãe, eu não aproveitei bem os meus dez anos de vida”. Aproveitou muito bem, respondeu a mãe. “Não, não quero dizer aproveitar fazendo isso e fazendo aquilo. Quero dizer que eu não fui contente o suficiente.”

são o tributo de NOTÍCIAS a essa talentosa Lygia pelos seus 90 anos cheios de issos, aquilos e contentamentos suficientes, apesar de todos os pesares da vida.

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