sexta-feira, 2 de junho de 2017

Afinal, quem é doutor?






O Juiz de Direito Antônio Marreiros da Silva Melo Neto entendia que o porteiro de seu prédio deveria chamá-lo de “doutor”.   
E como o porteiro se recusasse a dar esse tratamento ao juiz, este pediu à Justiça que obrigasse o porteiro a assim chamá-lo. Mas, o juiz que julgou o caso em primeira instância decidiu, – com bom senso, aliás - que o seu pedido era improcedente. Inconformado com a sentença de primeira instância o magistrado apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para garantir o tratamento cerimonioso.
Afinal de contas, teria o citado magistrado direito a esse tratamento?
Esta discussão não é nova: quem é “doutor”? O médico pode ser chamado de “doutor”? E um advogado pode assim se denominar? E os cirurgiões-dentistas, os engenheiros, os enfermeiros, os fisioterapeutas? “Doutor” não é apenas quem defende tese em curso de doutorado? Afinal, “doutor” é título ou forma de tratamento? Quem é doutor?
No mundo acadêmico, é chamado de “doutor” quem cursou doutorado e defendeu uma tese diante de uma banca composta por cinco doutores.




O título honorífico “Doutor Honoris Causa” é o reconhecimento acadêmico mais elevado de uma universidade para distinguir pessoas que, independentemente do seu grau de instrução, tenham em qualquer tempo, prestado relevantes serviços, servindo de exemplo para a comunidade acadêmica e para a sociedade.
Em Portugal, o título de doutor é estendido a todos os formados em grau de educação superior. Nos países de língua inglesa, os médicos são chamados de “doctor”. Quando escrevem artigos, ou em seus jalecos, no entanto, não empregam o termo, mas apenas o próprio nome, acompanhado da abreviatura M.D. (Medical Degree), isto é, “formado em medicina”, “médico”.
E os Doutores da Igreja? Aqueles homens e mulheres reverenciados pela Igreja Católica pelo especial valor dos seus escritos, de suas pregações e da santidade de suas vidas, dando assim contribuição valiosa à fé, ao entendimento dos Evangelhos e da doutrina cristã e que, por essa razão, são assim reconhecidos e tratados. Citam-se entre eles Santo Agostinho (354 – 430), Santa Catarina de Siena (1347 – 1380), São Gerônimo (384 – 420), São João Crisóstomo (349 – 407), São João da Cruz (1542 – 1591), Santa Teresa d’Ávila (1515 – 1582) e São Tomás de Aquino (1225 – 1274).
Entre nós, a tradição de se chamar o advogado de “doutor” remonta ao Brasil Colônia. Naquela época, as famílias ricas prezavam sobremaneira ter em seu meio um advogado (e também um padre e um político). O meio de acesso a esses postos era a educação.
O advogado – conhecedor de leis, detentor de certo poder de libertar e de prender – assenhorava-se desse poder mediante formação privilegiada. A tradição logo transformou o termo em sinônimo de posição superior dentro da escala social.
Há que se mencionar ainda o Alvará Régio, editado por D. Maria, a Pia, de Portugal, pelo qual os bacharéis em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de "doutor". E também o Decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, que deu origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827, que "cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais; introduz regulamento, estatuto para o curso jurídico; dispõe sobre o título de doutor para o advogado". 
A Lei do Império criou o curso e afirmou que os acadêmicos que terminassem o curso de Direito seriam Bacharéis. O título de Doutor seria destinado aos habilitados nos estatutos futuros, como o atual Estatuto da OAB. Assim, tendo o acadêmico completado seu curso de Direito, sido aprovado e estando habilitado em Estatuto competente, ou seja, tendo prestado Exame da Ordem e estando inscrito nos quadros da OAB, estaria habilitado a ostentar o título de Doutor. Ademais disso, como essa legislação imperial não foi revogada, o que significa dizer que está vigorando nesse particular e tendo presente que os advogados defendem no seu dia a dia teses jurídicas, posso concluir que Advogado é Doutor! E ponto final!...
E quanto ao inconformado Juiz? Numa outra oportunidade eu conto a posição do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ou do porteiro do prédio.




































Edição n.º 1012
Página 08


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