O Juiz de Direito Antônio
Marreiros da Silva Melo Neto entendia que o porteiro de seu prédio deveria
chamá-lo de “doutor”.
E como o porteiro se
recusasse a dar esse tratamento ao juiz, este pediu à Justiça que obrigasse o
porteiro a assim chamá-lo. Mas, o juiz que julgou o caso em primeira instância decidiu,
– com bom senso, aliás - que o seu pedido era improcedente. Inconformado com a
sentença de primeira instância o magistrado apelou ao Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro para garantir o tratamento cerimonioso.
Afinal de contas, teria o
citado magistrado direito a esse tratamento?
Esta discussão não é nova:
quem é “doutor”? O médico pode ser chamado de “doutor”? E um advogado pode
assim se denominar? E os cirurgiões-dentistas, os engenheiros, os enfermeiros,
os fisioterapeutas? “Doutor” não é apenas quem defende tese em curso de
doutorado? Afinal, “doutor” é título ou forma de tratamento? Quem é doutor?
No mundo acadêmico, é
chamado de “doutor” quem cursou doutorado e defendeu uma tese diante de uma
banca composta por cinco doutores.
O título honorífico “Doutor
Honoris Causa” é o reconhecimento acadêmico mais elevado de uma universidade
para distinguir pessoas que, independentemente do seu grau de instrução, tenham
em qualquer tempo, prestado relevantes serviços, servindo de exemplo para a
comunidade acadêmica e para a sociedade.
Em Portugal, o título de
doutor é estendido a todos os formados em grau de educação superior. Nos países
de língua inglesa, os médicos são chamados de “doctor”. Quando escrevem artigos,
ou em seus jalecos, no entanto, não empregam o termo, mas apenas o próprio
nome, acompanhado da abreviatura M.D. (Medical Degree), isto é, “formado em
medicina”, “médico”.
E os Doutores da Igreja?
Aqueles homens e mulheres reverenciados pela Igreja Católica pelo especial
valor dos seus escritos, de suas pregações e da santidade de suas vidas, dando
assim contribuição valiosa à fé, ao entendimento dos Evangelhos e da doutrina cristã
e que, por essa razão, são assim reconhecidos e tratados. Citam-se entre eles
Santo Agostinho (354 – 430), Santa Catarina de Siena (1347 – 1380), São
Gerônimo (384 – 420), São João Crisóstomo (349 – 407), São João da Cruz (1542 –
1591), Santa Teresa d’Ávila (1515 – 1582) e São Tomás de Aquino (1225 – 1274).
Entre nós, a tradição de se
chamar o advogado de “doutor” remonta ao Brasil Colônia. Naquela época, as
famílias ricas prezavam sobremaneira ter em seu meio um advogado (e também um
padre e um político). O meio de acesso a esses postos era a educação.
O advogado – conhecedor de
leis, detentor de certo poder de libertar e de prender – assenhorava-se desse
poder mediante formação privilegiada. A tradição logo transformou o termo em
sinônimo de posição superior dentro da escala social.
Há que se mencionar ainda o
Alvará Régio, editado por D. Maria, a Pia, de Portugal, pelo qual os bacharéis
em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de "doutor". E
também o Decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, que deu origem à Lei do
Império de 11 de agosto de 1827, que "cria dois Cursos de Ciências
Jurídicas e Sociais; introduz regulamento, estatuto para o curso jurídico;
dispõe sobre o título de doutor para o advogado".
A Lei do Império criou o
curso e afirmou que os acadêmicos que terminassem o curso de Direito seriam
Bacharéis. O título de Doutor seria destinado aos habilitados nos estatutos
futuros, como o atual Estatuto da OAB. Assim, tendo o acadêmico completado seu
curso de Direito, sido aprovado e estando habilitado em Estatuto competente, ou
seja, tendo prestado Exame da Ordem e estando inscrito nos quadros da OAB,
estaria habilitado a ostentar o título de Doutor. Ademais disso, como essa
legislação imperial não foi revogada, o que significa dizer que está
vigorando nesse particular e tendo presente que os advogados defendem no
seu dia a dia teses jurídicas, posso concluir que Advogado é Doutor! E ponto
final!...
E quanto ao inconformado Juiz?
Numa outra oportunidade eu conto a posição do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro ou do porteiro do prédio.
Edição n.º 1012
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