sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Crianças no lixo

              
“Vi ontem um bicho
na imundice do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato,
não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem!”

Manuel Bandeira escreveu esse poema em 1947, inconformado com os homens que catam lixo para comer. O assombroso é que o problema ainda seja tão atual,  apesar dos 66 anos que se passaram, porque a miséria (e os lixões) ainda existem em todo país.
As fotos chocantes feitas por Diego Nigro (Jornal do Commercio, JC Imagem) evidenciam essa tristíssima realidade: dentro da água suja, escura e fedida, no meio de latas, plásticos, restos de comida e animais mortos, crianças catam latas de alumínio no Canal do Arruda (Recife, PE). Premidas pela necessidade e pela indiferença do poder público, elas ignoram os perigos e a imundície e trabalham para ajudar a complementar o orçamento de casa: ganham R$ 5,00, num “bom” dia. Mas, às vezes, o esforço desumano rende apenas R$ 1,00! Para elas, alivia um pouco a fome.
Depois da repercussão dessa matéria, tanto no Jornal do Commercio como na Folha de S. Paulo, o Ministério Público do Trabalho anunciou que o caso será anexado como prova numa ação civil pública contra a Prefeitura do Recife, já que o município vem falhando na política de combate ao trabalho infantil.
O poema de Manuel Bandeira, de contestação contra a realidade e a miséria humana, pode também servir, hoje em dia, como analogia para outro tipo de lixo e outro tipo de degradação humana: o homem que vendeu seus princípios; o homem que vive na imundície dos acordos; o homem que exala o cheiro do que é mais imundo e fétido aos olhos dos cidadãos de bem.

Como o homem público que virou bicho e não examina, nem cheira: engole com voracidade o poder. E faz qualquer coisa para saciar suas ganâncias.



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