“Vi ontem um
bicho
na imundice do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava
alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade. O bicho não
era um cão, não era um gato,
não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem!”
Manuel Bandeira escreveu esse poema
em 1947, inconformado com os homens que catam lixo para comer. O assombroso é
que o problema ainda seja tão atual,
apesar dos 66 anos que se passaram, porque a miséria (e os lixões) ainda
existem em todo país.
As fotos chocantes feitas
por Diego Nigro (Jornal do Commercio, JC Imagem) evidenciam
essa tristíssima realidade: dentro da água suja, escura e fedida, no meio de
latas, plásticos, restos de comida e animais mortos, crianças catam latas de alumínio no Canal
do Arruda (Recife,
PE). Premidas pela
necessidade e pela indiferença do poder público, elas ignoram os perigos e a imundície
e trabalham
para ajudar a complementar o orçamento de casa: ganham R$ 5,00, num “bom” dia. Mas, às vezes, o esforço
desumano rende apenas R$ 1,00! Para elas, alivia um pouco a fome.
Depois da repercussão dessa
matéria, tanto no Jornal do Commercio
como na Folha de S. Paulo, o
Ministério Público do Trabalho anunciou que o caso será anexado como prova numa
ação civil pública contra a Prefeitura do Recife, já que o município vem
falhando na política de combate ao trabalho infantil.
O poema de Manuel Bandeira, de
contestação contra a realidade e a miséria humana, pode também servir, hoje em
dia, como analogia para outro tipo de lixo e outro tipo de degradação humana: o
homem que vendeu seus princípios; o homem que vive na imundície dos acordos; o
homem que exala o cheiro do que é mais imundo e fétido aos olhos dos cidadãos
de bem.
Como
o homem público que virou bicho e não examina, nem cheira: engole com
voracidade o poder. E faz qualquer coisa para saciar suas ganâncias.
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