“Descobri o “brincar”
como a paixão particular do brasileiro. Na França é “le Droit (o Direito)”. Na
Espanha, “el honor (a honra)”. Na Inglaterra, “humour (o humor)”. E nós somos o
brincar.” (Beth Milan, autora
de romances, ensaios, crônicas e peças de teatro)
Os guaches sobre papel feitos por Portinari na década de
1960 ilustram, aqui, essa paixão do brasileiro por “brincar”, atitude que se
explicita principalmente no carnaval.
E a
marchinha carnavalesca de Sérgio Sampaio, inscrita no IV Festival Internacional
da Canção de 1972 traduz o mesmo gosto:
Eu quero é botar meu
bloco na rua
brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu
bloco na rua
gingar, pra dar e vender
Eu por mim queria isso e
aquilo
um quilo mais daquilo, um
quilo menos disso
é disso que eu preciso ou
não é nada disso
Eu quero é todo mundo
nesse carnaval...
A letra de “Eu quero é botar meu bloco na rua” é
cheia de metáforas, porque, na época da ditadura militar (1964-1985), como a
censura era muito forte, os compositores usavam as letras de suas canções para
passar para a sociedade mensagens de não concordância com a brutalidade e a
forma como o país era governado. Naquela época, o exército levava tropas para
as ruas, numa demonstração de força. Ao cantar que queria “botar o bloco na
rua”, Sérgio brincava e chamava todo
mundo para o carnaval: em vez da tropa, queria um bloco, e exigia “um quilo
mais daquilo” (democracia, liberdade, paz) e “um quilo menos disso” (ditadura,
tortura, censura).
Aproveitando a época, então, que tal botar um novo bloco
na rua?
Não o bloco dos “black” ou dos “red” blocks, cujos
integrantes usam máscaras negras para cobrir o rosto, ou camisetas vermelhas,
que uniformizam todos no desejo de destruir patrimônio público e privado.
Não o bloco dos rolezinhos, cujos integrantes só querem
“zoar”.
Mas um bloco dos que querem um quilo mais de ética na
gerência administrativa do bem comum, além de um quilo menos de corrupção,
mentiras e desrespeito aos cidadãos.
Faço minhas as palavras-convite de Edmílson Caminha (Correio Brasiliense, 24/2): “Sintam-se, principalmente os jovens entre 18
e 28 anos, faixa onde se concentram 54% do eleitorado, convocados para as
gigantescas manifestações ─
silenciosas, mas eloquentes; pacíficas, mas revolucionárias ─ no Brasil inteiro, em 5 de outubro, com segunda convocação
já marcada para o dia 26. Nessas manifestações, teremos direito ao mais
poderoso instrumento de protesto que pode usar o povo brasileiro. Chama-se
voto.”
Eu queria era ver o bloco de eleitores na rua, pra brincar
de protestar eloquente, revolucionária e pacificamente por meio do voto limpo e
consciente, para transformar tudo isso que está aí numa “realidade menos morta,
com tanta mentira, tanta força bruta” (como diz a música “Cálice”, de Chico
Buarque, também escrita na época da ditadura).