sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Papa Francisco e o Banco do Vaticano



Para se entender essa estória, é preciso que voltemos no tempo e entendamos algumas condutas imprimidas pelos papas João Paulo II e Bento XVI durante o exercício dos seus pontificados.

 Não se desconhece que o Vaticano é, para dizer o mínimo, um estranho gestor de dinheiro e muitas das denúncias que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada pelo papa João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise atual. 

As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano e o máximo responsável pelos investimentos da Santa Sé na época. 

O jornalista Eduardo Febbro, em estarrecedor artigo, comenta que João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de se estranhar, pois devia muito a ele. Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as contas do sindicato polonês Solidariedade, algo que Karol Wojtyla, o papa João Paulo II jamais esqueceu. Marcinkus terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, em meio a um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres. No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. Seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas. 

A guerra interna que desencadeou esse intento histórico de pôr fim às práticas enganosas herdadas do pontificado de João Paulo II e colocar o banco do Vaticano em sintonia com um mínimo de regras internacionais parece ser um dos motivos que conduziram à renúncia inédita de Bento XVI.

O papa Francisco iniciou o seu pontificado seguindo a conduta iniciada por Bento XVI: recém-eleito papa, retirou os exorbitantes privilégios econômicos de que gozavam (gratificação de 25.000 dólares) os cardeais membros da comissão que supervisionava – inutilmente – as atividades do banco; depois, nomeou uma comissão de 5 membros encarregada de investigar a situação econômica e jurídica do banco do Vaticano. Esta comissão presidida pelo cardeal salesiano Raffaele Farina – 80 anos – tem como missão propor uma reforma do banco, para que “os princípios do Evangelho impregnem também as atividades de caráter econômico e financeiro”. Por último, Francisco, em decisão sem precedentes, terminou por decapitar toda a cúpula do IOR e pôr o banco sob o seu comando. A Santa Sé anunciou ontem a renúncia do diretor geral do IOR, Paolo Cipriani, e do vice-diretor, Massimo Tulli.

Além de cortar as cabeças que comandavam o IOR, a Santa Sé, há poucos dias, se colocou à disposição da justiça italiana e isso permitiu a prisão de um alto membro da cúria romana, o Monsenhor Nunzio Scarano, apelidado “Monsenhor 500”, por seu gosto pronunciado e demonstrado por notas de 500 euros. Scarano, um membro dos carabinieri, Giovanni Maria Zito e o negociante Giovanni Carenzio são acusados de ter montado circuitos paralelos de lavagem de dinheiro através do IOR.

Poderia se escrever uma história tão extensa e cativante como a Comédia Humana de Balzac sobre o inescrupuloso banco do Vaticano, mas não temos espaço. A mim me parece que um banco desse porte e religião não podem coexistir. Mas nisso o papa Francisco está vigilante, já que pelas suas ações constatamos que não está de acordo com um banco que funciona através de um sistema tecnicamente criminoso, onde a hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo que mata, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se auto alimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual da própria decadência do sistema.



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