A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado. Sou fraco para elogios.
O poeta matogrossense Manoel de Barros se desconectou
definitivamente da realidade no último dia 13, aos 97 anos. A notícia me
provocou muita emoção!
Quem, agora, perceberá que fazer “poesia é voar fora da asa”? Quem “descobrirá as
insignificâncias do mundo e as nossas”? Quem perceberá que seu “amanhecer vai
ser de noite”? Quem vai “carregar água na peneira”? Quem “fotografará o
silêncio”? Quem estará “aparelhado para gostar de passarinhos”?
E quem terá “abundância de ser feliz por seu quintal
ser maior do que o mundo”? E, por isso, se transformará “num apanhador de
desperdícios”? E quem “usará a palavra para compor seus silêncios”?
O poeta “aprendia
melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar”. Ele chegou por
vezes “a alcançar o sotaque das origens, e admirava como um grilo sozinho, um
só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
”
E quem (ah, quem?) “pensará em renovar o homem usando
borboletas”?
E quem (quem, na verdade?) verá que “um girassol se
apropriou de Deus: foi em
Van Gogh”?
Manoel de Barros já “sabe quando amanhece ontem”. E
agora ele, cuja “independência tinha algemas”, está livre de todos os vínculos
terrenos: “livre para o
silêncio das formas e das cores”.
Que ele esteja entre girassóis e arco-íris no silêncio
do espaço sideral.
Edição n.º 962 - página 01
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