“O Brasil tem seu corpo na América e sua alma
na África” (Pe. Antonio Vieira)
Há 318 anos, o sacrifício
de Zumbi, o primeiro líder e mártir negro em terras brasileiras, projetava para
cento e noventa anos depois a assinatura da Lei Áurea, que decretaria o fim do regime de escravidão do negro no Brasil.
Como canta Milton
Nascimento, de Minas, no seu belo poema “África Gerais: África, berço de meus
pais, ouço a voz de seu lamento de multidão”.
Porque da África, do Grande
Golfo da Guiné, de Angola e de Moçambique, os negros aprisionados e transportados,
em condições desumanas, nos porões de navios negreiros, traficados sob ferro,
dor e humilhação, foram multidões!
Chegou-se a estimar que
entre 1531 e 1855, durante 324 anos, portanto, a população escrava superava a
dos homens livres na Bahia, em Pernambuco, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e
no Maranhão!
Entre os homens negros
aprisionados em regiões africanas islamizadas, muitos eram alfabetizados em
árabe, enquanto seus senhores, muitas vezes, mal assinavam o nome!
Estima-se terem ocorrido
dez milhões de mortes entre os escravos, forçados com chibatadas e grilhões,
durante a colonização do território brasileiro (número muito maior do que os
seis milhões de vítimas no holocausto judeu, na segunda guerra mundial)!
Embora o Brasil tenha sido
colonizado por um Portugal de fé católica, a influência de crenças religiosas
africanas gerou aqui um notório sincretismo religioso englobando elementos da
cultura negra, como Candomblé, Maracatu, Macumba e também Crioula.
Nos altares da Igreja
Católica, no Brasil, também se resgata a presença negra pelas imagens de seus
santos: São Benedito, Santa Ifigênia, Santo Elesbão e a padroeira da nossa
pátria, Nossa Senhora Aparecida.
As festas populares do
Brasil também expressam traços de origem afro, percebidos nas danças do Bumba Meu Boi maranhense e do Maracatu, nas festas de carnaval e na Capoeira (misto
de dança e luta de defesa pessoal).
Hoje, é possível afirmar
que a matriz formadora da identidade nacional tem traço forte do negro,
miscigenado e integrado ao nosso povo.
Paulinho da Viola enaltece
o negro brasileiro: “Foi um bravo do passado, quando resistiu com valentia para
se livrar do sofrimento que o cativeiro infligiu. Apesar de toda a opressão,
soube conservar os seus valores, dando sua contribuição em todos os setores da
nossa cultura”.
O compositor-cantor Itamar
Assunção se orgulha da sua negritude brasileira: “Sou pretobrás e daí. Eu rezo
cantando reggae. Sou Cruz e Souza, Zumbi, Paulo Leminski!”
E podemos acrescentar
alguns outros pretobrás, mulatos ou mestiços, respeitados por suas inúmeras
qualidades criativas, políticas, literárias, esportivas, musicais, científicas,
humanas, etc.: Pe. José Maurício Nunes
Garcia – compositor e regente; D. Sílvio Gomes Pimenta – bispo de Mariana; Dr.
Antonio Pinto Rebouças – senador; Carlos Gomes – compositor que em 19 de março de 1870 fez a primeira apresentação
da sua ópera O Guarani, no Teatro Scala de Milão arrebatando a Europa; Luiz
Gama, poeta e abolicionista; Juliano Moreira – médico psiquiatra; Nilo Peçanha –
presidente do Brasil; Agostinho dos Santos, Simonal, Noite Ilustrada, Cartola,
Clementina de Jeus – cantores e compositores; Grande Otelo – ator, Machado de
Assis – escritor, fundador da Academia Brasileira de Letras; Frei Jesuíno do
Monte Carmelo – pintor; Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho) – escultor;
Ademar Ferreira da Silva, Garincha – atletas; Milton Santos – geógrafo...
tantos e tantos outros!
Sim, existem muitos, muitos
mais! A lista é enorme!
Após 126 anos da assinatura
da Lei Áurea por uma mulher, a princesa Isabel, aqui convivem pretos e mestiços
em tal quantidade, que isto dá ao Brasil a condição de ser o maior país mestiço
do globo, confirmando o que o Pe. Vieira falou: embora o corpo brasileiro
esteja na América do Sul, uma parte da nossa alma está na África!
No dia 20 de novembro
comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra. Nada mais justo!
Edição n.º 962 - página 02
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