Na
história recente do Brasil manifestações populares de protesto se
notabilizaram, não só pela multidão que as fermentavam, como também, pela sua
repercussão e, sobretudo, pelos resultados alcançados.
O
Brasil assistiu a Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar,
ocorrida em junho de 1968, no Rio de Janeiro, organizada pelo movimento
estudantil e que contou com a participação de artistas, intelectuais e outros
setores da sociedade brasileira.
Entre
1983 e 1984 aconteceu a Passeata das Diretas Já, movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais
diretas no Brasil e que ganhou força com um evento realizado no Vale do
Anhangabaú, no centro da cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro, data do
aniversário da Capital.
Em 1992, um
movimento estudantil pôs nas ruas a Passeata
dos Caras-Pintadas, tendo com o objetivo principal o impeachment do Presidente
Fernando Collor de Melo e sua retirada do cargo máximo da Nação. O movimento
baseou-se nas denúncias de corrupção que pesaram contra o presidente e
ainda em suas medidas econômicas, e contou com milhares de jovens em todo
o país. O nome "caras-pintadas" referiu-se à principal
forma de expressão, símbolo do movimento: as cores verde e amarelo pintadas no
rosto dos manifestantes.
Todas
essas manifestações ocorreram de forma pacífica e ordeira e atingiram o
resultado que buscavam: a ditadura caiu, o voto direto voltou, a democracia
ressurgiu, o presidente Collor foi destituído (aliás, algo impensável há algum
tempo atrás). Tudo isso começou porque o povo saiu às ruas para protestar!...
Agora
uma onda de protestos tomou conta do País, começando por diversas capitais
brasileiras, destacando-se entre elas São Paulo e Rio de Janeiro e, também
Brasília, a capital federal. Essa onda (que não é uma marola, diga-se de
passagem) espalhou-se por todo o país, inclusive para o exterior. É a Passeata do Vinagre, nome que me parece
apropriado a esse movimento, vez que o vinagre virou um dos personagens
principais dessas manifestações: os manifestantes foram orientados a encharcar
camisetas com vinagre (para serem usadas no rosto), para diminuir o efeito do
gás lacrimogêneo. É bem verdade que ninguém sabe ao certo de onde saiu a ideia
de que o ácido acético, presente no tempero, ajudaria a neutralizar os efeitos
do gás lacrimogêneo usado pela polícia para conter os protestos. Mas o fato é que
essa ideia vingou. E, ademais disso, não se pode deixar de ter presente que
essas passeatas se não azedaram, pelo menos avinagraram a vida política de
muitos governantes de plantão, o que restou agravado pela repercussão no
exterior, graças à visibilidade conferida pela imprensa estrangeira em razão da
cobertura local da Copa das Confederações!
A
justificativa para esses protestos iniciou-se, num primeiro momento, com o
preço considerado abusivo das passagens do transporte público. De fato, a
questão deve merecer maior atenção por parte dos governantes de todas as
instâncias, pois além dos preços que para muitos pesam no bolso, há as
condições precárias conhecidas, principalmente as de superpopulação, com cenas
quase diárias de usuários sendo tratados como gado, seja em trens, ônibus ou
metrôs.
Contudo,
os protestos que começaram contra o aumento do preço do ônibus, passaram a
abordar outros temas ligados à repressão, à precariedade da saúde pública, à falta
de segurança pública, ao descaso com a educação, aos gastos desmedidos com os
estádios da Copa do Mundo, à tributação excessiva (inclusive quanto aos
medicamentos), ao cansaço do povo quanto aos conchavos entre governantes e
empresas privadas, à corrupção desenfreada, à impunidade, à falta de
sensibilidade dos dirigentes deste país quanto às verdadeiras e essenciais
necessidades do povo, revelando a insatisfação e a indignação que cada
brasileiro traz dentro do peito pela condução incompetente das políticas
econômicas e sociais deste imenso país. O preço das passagens revelou-se apenas
a ponta de um iceberg.
A população apoia a
reivindicação e também a manifestação de protestos, quando democrática e
pacífica. Mas desaprova quando apela para a violência, cujos abusos, tanto de
manifestantes quanto dos policiais, tomam proporções indesejadas pela
sociedade, afetando a segurança de todos.
Sabe-se
que há entre os revoltosos, manifestantes — pagos ou não —, para provocar a
polícia com incivilidade, até que alguém seja atingido (principalmente da
imprensa), para que a polícia seja acusada posteriormente, de excessos na
repressão. Mas a polícia, por sua vez, tem o dever de agir para garantir a
ordem pública, e o clima tem ficado bastante tenso, o que tem causado apreensão
de muitos. Não se pode afirmar que existem interessados em “orquestrar” a
baderna, os saques e até as agressões praticadas por alguns baderneiros
infiltrados nas legítimas Passeatas do Vinagre (“Passeatas” no plural, visto
que as manifestações continuam...). Mas como explicar a passividade da polícia
em não tomar atitude nenhuma com o vandalismo e os furtos que estavam sendo
praticados à sua frente? Essa passividade não serviu de encorajamento a essa
prática criminosa?
Em
Brasília, a justificativa dos protestos teve como tônica os gastos com a infraestrutura
para a Copa do Mundo de 2014, principalmente na Arena Nacional de Brasília, ou
seja, o estádio Mané Garrincha (nome que a FIFA não quer que seja usado), cujas
cifras de investimentos cresceram enormemente, conforme exposto no vídeo que
pode ser acessado no seguinte link: http://www.facebook.com/video/video.php?v=491648664228895. O
tom das críticas ressaltam as queixas antigas para que os governos deem
prioridade às demandas nas áreas da Saúde e Educação e à transparência e
honestidade no trato das coisas públicas.
De
qualquer forma, o entendimento deve ser buscado (a exemplo do que aconteceu em
São Paulo, quando a Secretaria de Segurança Pública conversou com os
organizadores dos protestos pela redução das passagens do transporte público),
no esforço de minimizar a ação da violência, para que as manifestações ocorram
de modo efetivamente pacífico e democrático.
Por
outro lado, essas manifestações não podem ser ignoradas e devem ser entendidas como
uma consequência de um esgotamento da paciência, especialmente em relação ao
Poder político, que parece estar cultivando velhos e conhecidos hábitos, que
priorizam os interesses dos políticos e não os da população, que os colocou lá.
A política não pode, como visto, ignorar o mundo cibernético como ferramenta de
redes e comunicação acelerada. A classe política precisa ouvir a voz das ruas e
os sussurros das praças. Não se pode mais subvalorizar o descontentamento da
população, especialmente com a condução política do país, que se revela
incompetente, visto que bastante alienada da realidade cotidiana do povo.
E
abaixo os violentos e os vândalos, notadamente aqueles interessados em desviar
a atenção das justas reivindicações e que ‘fascistamente’ querem
instrumentalizar a legítima voz de protesto do povo, liderada pelos jovens!
Concluindo,
sente-se que algo grande está acontecendo no Brasil, como já disse alguém.
Cabe, agora, a cada um de nós, especialmente aos jovens, decidir se esse
momento será levado aos livros de História em um enorme e fascinante capítulo
ou em uma frustrante nota de rodapé.
Por oportuno, no fechamento
desta edição, cumpre registrar que o propósito inicial das reivindicações
trazidas pela Passeata do Vinagre teve resultado vitorioso, visto que o
governador e o prefeito de São Paulo, o prefeito do Rio e outros prefeitos,
voltaram atrás e revogaram o aumento que concederam às empresas concessionárias
do transporte coletivo, tudo retornando como dantes no quartel de Abrantes.
Mas
as manifestações continuam em busca de outros direitos. De qualquer forma, quem
continua pagando é o povo!...
Fico feliz em ler uma crônica, como esta, escrita de maneira clara e imparcial...
ResponderExcluirFeliz por saber que, em nosso país, mais precisamente em nossa cidade, existam ainda, pessoas de bem, com um nível de cultura elogiável, capaz de conectar momentos passados de nossa história, com esse grandioso movimento que está abalando nosso país nos dias atuais.
Parabéns, professor Vilela, pela maestria com que domina as palavras e pelo excelente, rico e valoroso vocabulário que possui. Coisa rara em nossos dias! Eu tive o privilégio de conhecer mais algumas de suas crônicas e, confesso, fiquei extasiada...
"Prezada Maria Rosa, grato pelo elogioso comentário, que só posso atribuir à sua generosidade. São atos de pessoas maduras intelectual e politicamente, como esses, traduzidos em gestos, que me animam e me estimulam a continuar escrevendo. Sem pretensão, imagino que posso contribuir, ainda que minimamente, para melhorar o nosso "locus". Espero que você continue leitora do Noticias e acompanhe todas as nossas matérias. Forte abraço do Vilela."
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