sexta-feira, 21 de junho de 2013

A Passeata do Vinagre




Na história recente do Brasil manifestações populares de protesto se notabilizaram, não só pela multidão que as fermentavam, como também, pela sua repercussão e, sobretudo, pelos resultados alcançados.

         O Brasil assistiu a Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar, ocorrida em junho de 1968, no Rio de Janeiro, organizada pelo movimento estudantil e que contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira.

         Entre 1983 e 1984 aconteceu a Passeata das Diretas Já, movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil e que ganhou força com um evento realizado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro, data do aniversário da Capital.

         Em 1992, um movimento estudantil pôs nas ruas a Passeata dos Caras-Pintadas, tendo com o objetivo principal o impeachment do Presidente Fernando Collor de Melo e sua retirada do cargo máximo da Nação. O movimento baseou-se nas denúncias de corrupção que pesaram contra o presidente e ainda em suas medidas econômicas, e contou com milhares de jovens em todo o país. O nome "caras-pintadas" referiu-se à principal forma de expressão, símbolo do movimento: as cores verde e amarelo pintadas no rosto dos manifestantes.


         Todas essas manifestações ocorreram de forma pacífica e ordeira e atingiram o resultado que buscavam: a ditadura caiu, o voto direto voltou, a democracia ressurgiu, o presidente Collor foi destituído (aliás, algo impensável há algum tempo atrás). Tudo isso começou porque o povo saiu às ruas para protestar!...

         Agora uma onda de protestos tomou conta do País, começando por diversas capitais brasileiras, destacando-se entre elas São Paulo e Rio de Janeiro e, também Brasília, a capital federal. Essa onda (que não é uma marola, diga-se de passagem) espalhou-se por todo o país, inclusive para o exterior. É a Passeata do Vinagre, nome que me parece apropriado a esse movimento, vez que o vinagre virou um dos personagens principais dessas manifestações: os manifestantes foram orientados a encharcar camisetas com vinagre (para serem usadas no rosto), para diminuir o efeito do gás lacrimogêneo. É bem verdade que ninguém sabe ao certo de onde saiu a ideia de que o ácido acético, presente no tempero, ajudaria a neutralizar os efeitos do gás lacrimogêneo usado pela polícia para conter os protestos. Mas o fato é que essa ideia vingou. E, ademais disso, não se pode deixar de ter presente que essas passeatas se não azedaram, pelo menos avinagraram a vida política de muitos governantes de plantão, o que restou agravado pela repercussão no exterior, graças à visibilidade conferida pela imprensa estrangeira em razão da cobertura local da Copa das Confederações!

         A justificativa para esses protestos iniciou-se, num primeiro momento, com o preço considerado abusivo das passagens do transporte público. De fato, a questão deve merecer maior atenção por parte dos governantes de todas as instâncias, pois além dos preços que para muitos pesam no bolso, há as condições precárias conhecidas, principalmente as de superpopulação, com cenas quase diárias de usuários sendo tratados como gado, seja em trens, ônibus ou metrôs.


         Contudo, os protestos que começaram contra o aumento do preço do ônibus, passaram a abordar outros temas ligados à repressão, à precariedade da saúde pública, à falta de segurança pública, ao descaso com a educação, aos gastos desmedidos com os estádios da Copa do Mundo, à tributação excessiva (inclusive quanto aos medicamentos), ao cansaço do povo quanto aos conchavos entre governantes e empresas privadas, à corrupção desenfreada, à impunidade, à falta de sensibilidade dos dirigentes deste país quanto às verdadeiras e essenciais necessidades do povo, revelando a insatisfação e a indignação que cada brasileiro traz dentro do peito pela condução incompetente das políticas econômicas e sociais deste imenso país. O preço das passagens revelou-se apenas a ponta de um iceberg.

A população apoia a reivindicação e também a manifestação de protestos, quando democrática e pacífica. Mas desaprova quando apela para a violência, cujos abusos, tanto de manifestantes quanto dos policiais, tomam proporções indesejadas pela sociedade, afetando a segurança de todos.

         Sabe-se que há entre os revoltosos, manifestantes — pagos ou não —, para provocar a polícia com incivilidade, até que alguém seja atingido (principalmente da imprensa), para que a polícia seja acusada posteriormente, de excessos na repressão. Mas a polícia, por sua vez, tem o dever de agir para garantir a ordem pública, e o clima tem ficado bastante tenso, o que tem causado apreensão de muitos. Não se pode afirmar que existem interessados em “orquestrar” a baderna, os saques e até as agressões praticadas por alguns baderneiros infiltrados nas legítimas Passeatas do Vinagre (“Passeatas” no plural, visto que as manifestações continuam...). Mas como explicar a passividade da polícia em não tomar atitude nenhuma com o vandalismo e os furtos que estavam sendo praticados à sua frente? Essa passividade não serviu de encorajamento a essa prática criminosa?

         Em Brasília, a justificativa dos protestos teve como tônica os gastos com a infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014, principalmente na Arena Nacional de Brasília, ou seja, o estádio Mané Garrincha (nome que a FIFA não quer que seja usado), cujas cifras de investimentos cresceram enormemente, conforme exposto no vídeo que pode ser acessado no seguinte link:  http://www.facebook.com/video/video.php?v=491648664228895O tom das críticas ressaltam as queixas antigas para que os governos deem prioridade às demandas nas áreas da Saúde e Educação e à transparência e honestidade no trato das coisas públicas.


         De qualquer forma, o entendimento deve ser buscado (a exemplo do que aconteceu em São Paulo, quando a Secretaria de Segurança Pública conversou com os organizadores dos protestos pela redução das passagens do transporte público), no esforço de minimizar a ação da violência, para que as manifestações ocorram de modo efetivamente pacífico e democrático.

         Por outro lado, essas manifestações não podem ser ignoradas e devem ser entendidas como uma consequência de um esgotamento da paciência, especialmente em relação ao Poder político, que parece estar cultivando velhos e conhecidos hábitos, que priorizam os interesses dos políticos e não os da população, que os colocou lá. A política não pode, como visto, ignorar o mundo cibernético como ferramenta de redes e comunicação acelerada. A classe política precisa ouvir a voz das ruas e os sussurros das praças. Não se pode mais subvalorizar o descontentamento da população, especialmente com a condução política do país, que se revela incompetente, visto que bastante alienada da realidade cotidiana do povo.

         E abaixo os violentos e os vândalos, notadamente aqueles interessados em desviar a atenção das justas reivindicações e que ‘fascistamente’ querem instrumentalizar a legítima voz de protesto do povo, liderada pelos jovens!

         Concluindo, sente-se que algo grande está acontecendo no Brasil, como já disse alguém. Cabe, agora, a cada um de nós, especialmente aos jovens, decidir se esse momento será levado aos livros de História em um enorme e fascinante capítulo ou em uma frustrante nota de rodapé.

Por oportuno, no fechamento desta edição, cumpre registrar que o propósito inicial das reivindicações trazidas pela Passeata do Vinagre teve resultado vitorioso, visto que o governador e o prefeito de São Paulo, o prefeito do Rio e outros prefeitos, voltaram atrás e revogaram o aumento que concederam às empresas concessionárias do transporte coletivo, tudo retornando como dantes no quartel de Abrantes.

         Mas as manifestações continuam em busca de outros direitos. De qualquer forma, quem continua pagando é o povo!... 

2 comentários:

  1. Fico feliz em ler uma crônica, como esta, escrita de maneira clara e imparcial...
    Feliz por saber que, em nosso país, mais precisamente em nossa cidade, existam ainda, pessoas de bem, com um nível de cultura elogiável, capaz de conectar momentos passados de nossa história, com esse grandioso movimento que está abalando nosso país nos dias atuais.
    Parabéns, professor Vilela, pela maestria com que domina as palavras e pelo excelente, rico e valoroso vocabulário que possui. Coisa rara em nossos dias! Eu tive o privilégio de conhecer mais algumas de suas crônicas e, confesso, fiquei extasiada...

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    1. "Prezada Maria Rosa, grato pelo elogioso comentário, que só posso atribuir à sua generosidade. São atos de pessoas maduras intelectual e politicamente, como esses, traduzidos em gestos, que me animam e me estimulam a continuar escrevendo. Sem pretensão, imagino que posso contribuir, ainda que minimamente, para melhorar o nosso "locus". Espero que você continue leitora do Noticias e acompanhe todas as nossas matérias. Forte abraço do Vilela."

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