“Penetra surdamente
no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão
paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Chega mais perto e contempla as
palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem
interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”
(Carlos Drummond de Andrade)
O anúncio do
lançamento da “adaptação
para uma linguagem mais simples” de “O alienista”, de Machado de Assis, feita
por Patricia Engel Secco, levantou
uma série de questões sobre a validade da "adaptação" de clássicos da
literatura brasileira. Patrícia obteve apoio da lei de incentivos fiscais (mais
de um milhão de reais!) para produzir uma versão "simplificada" do
romance, da qual serão distribuídos, gratuitamente, 300 mil exemplares.
Em qualquer
instância, "substituir" palavras por outras mais “simples”, nivela
por baixo, altera e empobrece o texto original, complica e dificulta seu
entendimento, segundo João
Cezar de Castro Rocha, professor
de Literatura Comparada da UERJ e
especialista em Machado de Assis: “Simão Bacamarte já não pode reagir. Caso
contrário, ampliaria o número de hóspedes da Casa Verde”, comentou o professor,
no Estadão (9/5).
“Não deixa de
chocar a iniciativa da escritora de livros infantis Patrícia Secco, que trocou
a missão de educar pela tarefa de produzir facilidades em vez de esforço, e contornos
e escapes, em substituição ao aprendizado. Pior: fez isso com dinheiro público,
captado pela lei de incentivos do Ministério da Cultura”, se escandaliza o
editorial do Correio Brasiliense
(14/5).
Talvez fosse
mais significativo, em vez de “traduzir” termos da própria língua materna (e
empobrecer seus muitos significados), como ilustra a charge de Carlinhos Muller
(Estadão), estimular que os leitores “penetrassem surdamente no reino das
palavras em estado de dicionário” e soprassem o pó de suas dúvidas ao
descobrirem algumas das mil faces secretas de cada palavra.
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