Como a vida muda. Como a vida é muda. Como a vida é nula. Como
a vida é nada. Como a vida é tudo. Como a vida é isto misturado àquilo.
Como a
vida ri a cada manhã de seu próprio absurdo.
Como a vida joga de paz e de guerra povoando a terra de leis
e fantasmas.
Os trechos escolhidos do poema “Parolagem da vida”, de Carlos Drummond de Andrade,
expressam bem as sensações e os sentimentos controversos que nos assaltam desde
domingo.
Para evidenciar como a “vida é isto misturado àquilo,
jogando de paz e guerra”, cito as palavras de Carlos Alexandre no Correio Braziliense de 28/10: “Merece estudo
e reflexão a contradição de um país que foi às ruas exigir mudança e, no ano
seguinte, decide votar pelo continuísmo. Dessa eleição marcante em vários
aspectos, talvez a novidade digna de registro venha da oposição. O desempenho
de Aécio Neves pode inaugurar um período de relevante contestação à prática
governista, tão necessária à democracia quanto ao PT”.
Como “a vida ri a cada manhã de seu próprio absurdo” e nos
faz chorar em muitos momentos, lembro, no entanto, que o resultado dessas
eleições parece mostrar uma grande vitória de Pirro, como escreveu Rodrigo Constantino em O
GLOBO (28/10).
“A expressão "vitória de Pirro" é usada para
expressar uma conquista cujo esforço tenha sido penoso demais. Uma vitória com
ares de derrota. Eis a sensação dessa vitória apertada da presidente na
reeleição. O Brasil está claramente dividido. A máquina estatal foi colocada a
serviço do projeto de poder do partido. Houve denúncias de crime eleitoral,
claro terrorismo com os dependentes dos programas assistencialistas, ameaça aos
funcionários públicos. As baixarias usadas pela campanha da presidente, antes
contra Marina e depois contra Aécio Neves, entrarão para a história como as
mais sórdidas da nossa democracia. Bem que ela tinha avisado que faria “o
diabo” para vencer. Fez mesmo. E metade do país — a metade mais esclarecida e
honesta — ficou estarrecida com o que viu. Nunca antes na história deste país
se apelou tanto. O Brasil foi segregado. O “nós contra eles” virou o mantra
daqueles que tentam monopolizar o discurso em defesa dos pobres, mas atendem,
na verdade, aos interesses de uma elite corrupta e carcomida. As urnas deram um
resultado legal, apesar de denúncias de fraude que deveriam ser averiguadas.
Mas qual a legitimidade de uma vitória tão apertada conquistada somente com
base nas táticas mais pérfidas e imorais que existem? A luta apenas começou. E
a vitória deles foi com gosto de derrota, pois sabem que vem chumbo grosso por
aí. Quem pariu Mateus que o embale...”
A charge da bandeira brasileira publicada na revista The Economist da semana passada ilustra bem
o clima de terrorismo (a vigilância sobre todos os cadastrados nos programas
assistenciais do governo, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida) aplicado
pelo partido no poder.
Pelos próximos quatro anos, será agora “nós contra nós”.
Mas quem pariu Mateus, que o embale!
Edição n.º 959 - Página 01