Carlos Hermenegildo Bissoto
nos lê, por certo, de outro plano, de outra morada. Quis Deus que o medico de
profissão e de alma não tivesse acesso a esta edição do “Notícias”, ele que era
colaborador e leitor assíduo do jornal. Ele que era um indiscutível amante
desta cidade, preocupado com as coisas da comunidade, nos foi retirado. Ele que
era um exemplo de serviço, de doação à profissão, àqueles que com ele tiveram o
prazer de conviver, não está mais entre nós. Alçou voo para planícies mais
altas.
Não
importa como morremos; importa como vivemos.
E Carlos viveu com grandeza. O
exemplo por ele deixado transmitiu a todos que tiveram o privilégio de
compartilhar da sua presença, a magia dos bons estímulos, possibilitando-nos
antever o segredo das invencíveis energias que somente as pessoas de alma
generosa e desprendida podem transmitir. Carlinhos inspirava-nos confiança no
ser humano, despertava esperança em todos os que o conheciam pela excepcional
energia e firmeza do seu caráter, não permitindo espaço para comentários
maldosos, tão a gosto de alguns. Era verdadeiro, leal.
Sempre tenho dito que não
podemos e não devemos viver sem lembranças, até porque sem lembranças o que
somos? As nossas memórias têm que estar vivas. E isso, dentro da nossa frágil
existência, nos permite, por certo, continuarmos o convívio com quem nos
deixou. Carlos está conosco, presente com seu sorriso inesquecível, com sua
postura ética, delicada, atenciosa, dedicada, tanto no consultório, quanto no
bate-papo da vida. Lembro-me que, recentemente, preocupado porque não conseguia
marcar um horário na sua disputada clínica, a secretária me telefona informando
que o Dr. Carlos havia reservado um horário fora do expediente normal para me
atender, dentro da sua apertadíssima agenda. E, como sempre, perto da sua
figura, colhendo com ávida atenção a sua orientação e conselhos, a angústia que
me afligia desapareceu.
Carlos não era só um médico
de corpos, era também e, sobretudo, um médico de almas. Era sereno, essa
qualidade que só existe nas pessoas que estão de bem consigo próprias, que são
naturalmente boas, que vivem para trazer a vida para outras, de cuja boca só
saem palavras de conforto, de estímulo, de amor. Carlinhos exercia o dom da
compaixão pelo próximo. Nessa recente consulta, antes de transmitir-lhe a
situação que me levava à sua presença, perguntei-lhe, antes de qualquer coisa,
como andava a sua saúde para, ao depois, falar da minha. Disse-me que estava
bem melhor, mas que havia ainda pequena parcela a ser vencida, mas que isso
estava sendo enfrentado. Ficou extremamente animado quando lhe pedi sua
colaboração para o livro que estou escrevendo sobre Valinhos, sua história, sua
gente, e me prometeu disponibilizar parcela do seu tempo para me auxiliar nessa
façanha. Aliás, próprio do seu caráter, com todo o tempo voltado ao cuidado dos
outros, ainda em convalescença, iria, por certo, arrumar tempo para atender
este humilde escriba. Ainda quis marcar a consulta para o ano que viria, mercê
da sua concorrida agenda. Ele riu e disse que sempre estaria à disposição,
sendo desnecessária a afoita medida. Em nenhum momento pressenti que não mais
veria o amigo Carlinhos.
Desculpem-me
a ousadia, mas atrevo-me a questionar a partida de Carlinhos. Teria ele cumprido
a sua missão, atingido o seu tempo aqui na Terra? Desejou Deus tê-lo mais perto
de si? Porque não pôde ficar mais algum tempo conosco, brindando-nos com a sua
grata presença? Mas, como diria Vieira, em seus Sermões, querer argumentar com
Deus e convencê-lo com razões, não só dificultoso assunto parece, mas empresa
declaradamente impossível, sobre arrojada temeridade. Não posso deixar de
entender que toda causa tem o seu efeito e todo efeito tem a sua causa, nada
acontecendo ao acaso. Tudo tem sua simetria, como as estrelas que são colocadas
em lugar certo, porém não sabido. Esta é a razão de estarmos aqui. Não por
acaso, mas por simetria previamente calculada e disposta.
O
Universo tem muitos planos, ou como disse Jesus, o Ungido, o Iluminado, a casa do
meu pai tem muitas moradas. E Carlinhos, com a sua disposição, com a sua
serenidade, com o seu estetoscópio no pescoço, foi chamado para uma delas. Com
a sua eterna paciência, com a sua inigualável tolerância, com o seu senso único
de humanidade, já é uma estrela colocada em lugar não sabido, mas que, por
certo, brilha com todas as demais.
Oxalá possamos espelhar-nos em seu exemplo!
Edição n.º 957 - Página 08
Excelente. Dr. Carlos Bissoto é realmente uma pessoa unica, e uso o verbo no presente, pois sua memoria continua em todos nós presente e marcante.
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