sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Lembrando Carlos Bissoto





Carlos Hermenegildo Bissoto nos lê, por certo, de outro plano, de outra morada. Quis Deus que o medico de profissão e de alma não tivesse acesso a esta edição do “Notícias”, ele que era colaborador e leitor assíduo do jornal. Ele que era um indiscutível amante desta cidade, preocupado com as coisas da comunidade, nos foi retirado. Ele que era um exemplo de serviço, de doação à profissão, àqueles que com ele tiveram o prazer de conviver, não está mais entre nós. Alçou voo para planícies mais altas.

Não importa como morremos; importa como vivemos.  E Carlos viveu com grandeza.  O exemplo por ele deixado transmitiu a todos que tiveram o privilégio de compartilhar da sua presença, a magia dos bons estímulos, possibilitando-nos antever o segredo das invencíveis energias que somente as pessoas de alma generosa e desprendida podem transmitir. Carlinhos inspirava-nos confiança no ser humano, despertava esperança em todos os que o conheciam pela excepcional energia e firmeza do seu caráter, não permitindo espaço para comentários maldosos, tão a gosto de alguns. Era verdadeiro, leal.

Sempre tenho dito que não podemos e não devemos viver sem lembranças, até porque sem lembranças o que somos? As nossas memórias têm que estar vivas. E isso, dentro da nossa frágil existência, nos permite, por certo, continuarmos o convívio com quem nos deixou. Carlos está conosco, presente com seu sorriso inesquecível, com sua postura ética, delicada, atenciosa, dedicada, tanto no consultório, quanto no bate-papo da vida. Lembro-me que, recentemente, preocupado porque não conseguia marcar um horário na sua disputada clínica, a secretária me telefona informando que o Dr. Carlos havia reservado um horário fora do expediente normal para me atender, dentro da sua apertadíssima agenda. E, como sempre, perto da sua figura, colhendo com ávida atenção a sua orientação e conselhos, a angústia que me afligia desapareceu.

Carlos não era só um médico de corpos, era também e, sobretudo, um médico de almas. Era sereno, essa qualidade que só existe nas pessoas que estão de bem consigo próprias, que são naturalmente boas, que vivem para trazer a vida para outras, de cuja boca só saem palavras de conforto, de estímulo, de amor. Carlinhos exercia o dom da compaixão pelo próximo. Nessa recente consulta, antes de transmitir-lhe a situação que me levava à sua presença, perguntei-lhe, antes de qualquer coisa, como andava a sua saúde para, ao depois, falar da minha. Disse-me que estava bem melhor, mas que havia ainda pequena parcela a ser vencida, mas que isso estava sendo enfrentado. Ficou extremamente animado quando lhe pedi sua colaboração para o livro que estou escrevendo sobre Valinhos, sua história, sua gente, e me prometeu disponibilizar parcela do seu tempo para me auxiliar nessa façanha. Aliás, próprio do seu caráter, com todo o tempo voltado ao cuidado dos outros, ainda em convalescença, iria, por certo, arrumar tempo para atender este humilde escriba. Ainda quis marcar a consulta para o ano que viria, mercê da sua concorrida agenda. Ele riu e disse que sempre estaria à disposição, sendo desnecessária a afoita medida. Em nenhum momento pressenti que não mais veria o amigo Carlinhos. 

Desculpem-me a ousadia, mas atrevo-me a questionar a partida de Carlinhos. Teria ele cumprido a sua missão, atingido o seu tempo aqui na Terra? Desejou Deus tê-lo mais perto de si? Porque não pôde ficar mais algum tempo conosco, brindando-nos com a sua grata presença? Mas, como diria Vieira, em seus Sermões, querer argumentar com Deus e convencê-lo com razões, não só dificultoso assunto parece, mas empresa declaradamente impossível, sobre arrojada temeridade. Não posso deixar de entender que toda causa tem o seu efeito e todo efeito tem a sua causa, nada acontecendo ao acaso. Tudo tem sua simetria, como as estrelas que são colocadas em lugar certo, porém não sabido. Esta é a razão de estarmos aqui. Não por acaso, mas por simetria previamente calculada e disposta.

O Universo tem muitos planos, ou como disse Jesus, o Ungido, o Iluminado, a casa do meu pai tem muitas moradas. E Carlinhos, com a sua disposição, com a sua serenidade, com o seu estetoscópio no pescoço, foi chamado para uma delas. Com a sua eterna paciência, com a sua inigualável tolerância, com o seu senso único de humanidade, já é uma estrela colocada em lugar não sabido, mas que, por certo, brilha com todas as demais. 

Oxalá possamos espelhar-nos em seu exemplo!






























Edição n.º 957 - Página 08

Um comentário:

  1. Excelente. Dr. Carlos Bissoto é realmente uma pessoa unica, e uso o verbo no presente, pois sua memoria continua em todos nós presente e marcante.

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