“Tudo deve mudar para que tudo fique como está.”
“A não ser que
nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para
que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.” Essa frase
amplamente divulgada em todo o mundo — e que nunca perdeu a atualidade —, sai
da boca do príncipe de Falconieri no romance “Il gattopardo” (O Leopardo),
que trata da decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, obra prima do escritor
italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa e que enfatiza que a única
mudança permitida é aquela sugerida pelo príncipe de Falconieri. Para
referenciar melhor, essa obra foi imortalizada no cinema em 1963 pela
produção de Luchino Visconti, estrelada por Burt Lancaster, Alain Delon e
Claudia Cardinale.
Analisando
o conjunto das reflexões dos especialistas sobre as bem-vindas manifestações
pelo país afora, o que se apreende, de imediato, dos acontecimentos convulsivos
da última semana, é a intensidade da voz das ruas. Em primeiro lugar o que se
destaca é que a população está perdendo a paciência com os poderes públicos,
especialmente com os políticos, indiferentes aos sofrimentos cotidianos do povo
e que tem uma agenda muito distanciada das necessidades populares. A democracia
representativa foi colocada em xeque e há um clamor por uma democracia mais
direta, por um poder popular. A propósito, a Constituição de 1988 instituiu
diversos mecanismos de democracia direta: plebiscito, referendo, direito de
petição, abaixo-assinados... É preciso, contudo, entender o que está por trás
desse tom, que não me parece tão espontâneo assim, pois ideologicamente
coerente com o próprio governo federal, de matiz socializante ou
pseudossocializante... Já de há muito tem ocorrido uma sucessão de episódios
que visam desgastar a imagem dos parlamentares e demais representantes do povo.
Por isso agora — e aí está o caráter revolucionário das manifestações — o povo
quer (o que afirmaram muitos especialistas chamados a comentar os protestos nos
canais televisivos) o poder popular, uma democracia mais amadurecida, mais
participativa, diminuindo e até mesmo isolando os políticos — e muitos deles
fizeram por merecer esta forte rejeição —, nos quais muitos não se sentem
representados. Esta é uma tônica que merece ser refletida, para começar a
entender os fatos atuais, que vieram como um choque da realidade, mas que não
emergiu assim de modo tão inesperado, a um ano do período eleitoral de 2014. É
evidente que há muita coisa combinada, entre os que financiam e promovem as
manifestações. Por outro lado, não há dúvida que há uma forte adesão de
significativos segmentos das classes alta, média-alta e média-média, sem,
entretanto, desmerecer a participação da ‘nova’ classe média (a média-baixa),
que sentiu o ‘gosto’ do consumo, da qual estava excluída.
A
proposta da presidente Dilma de realizar um plebiscito para a reforma política
via iniciativa popular também lembra as estratégias já utilizadas em outros
países da América Latina para reforçar as mudanças sociais mais complexas de
forma manipulada, utilizando as massas para justificar tais mudanças. Só assim
os grupos de poder entendem ser possível prosseguir a ‘revolução’ política e
cultural que já vêm empreendendo há algumas décadas. Por outro lado, há ainda
outras forças autênticas da sociedade que desejam efetivas e merecidas
mudanças. Os políticos estão assustados e regridem em seus malfeitos
legislativos como foi o caso da PEC 37, que objetivava calar a Promotoria
Pública. Não há dúvida que se trava uma guerra surda das forças de direita e de
esquerda para dominar a movimentação das massas. O governo federal e o
Congresso, especialmente, entenderam bem o recado das ruas e não pretendem
perder o controle. Se possível, tentarão mudar um mínimo para que as coisas fiquem
como estão.
Por
isso, diante do que aconteceu esses dias, com o grau inclusive da violência
manifestada no movimento, não se pode ficar indiferente ou alienado. É preciso
ler nas entrelinhas, naquilo que não está sendo dito pela mídia, e estar mais
atento para ver o que querem os atores deste novo ato no teatro de operações em
que estão envolvidos os fomentadores de tais convulsões: o povo e os políticos.
Estes buscarão ‘salvar a pele’ e os privilégios que têm. A liberdade é o
produto da eterna vigilância? É sem dúvida produto de luta e engajamento
consciente na busca da justiça social e da solidariedade humana.
Estejamos,
portanto, vigilantes!
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