sexta-feira, 5 de julho de 2013

A intensidade da voz das ruas



“Tudo deve mudar para que tudo fique como está.”

A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.” Essa frase amplamente divulgada em todo o mundo — e que nunca perdeu a atualidade —, sai da boca do príncipe de Falconieri no romance “Il gattopardo” (O Leopardo), que trata da decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, obra prima do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa e que enfatiza que a única mudança permitida é aquela sugerida pelo príncipe de Falconieri. Para referenciar melhor, essa obra foi imortalizada no cinema em 1963 pela produção de  Luchino Visconti, estrelada por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale.

         Analisando o conjunto das reflexões dos especialistas sobre as bem-vindas manifestações pelo país afora, o que se apreende, de imediato, dos acontecimentos convulsivos da última semana, é a intensidade da voz das ruas. Em primeiro lugar o que se destaca é que a população está perdendo a paciência com os poderes públicos, especialmente com os políticos, indiferentes aos sofrimentos cotidianos do povo e que tem uma agenda muito distanciada das necessidades populares. A democracia representativa foi colocada em xeque e há um clamor por uma democracia mais direta, por um poder popular. A propósito, a Constituição de 1988 instituiu diversos mecanismos de democracia direta: plebiscito, referendo, direito de petição, abaixo-assinados... É preciso, contudo, entender o que está por trás desse tom, que não me parece tão espontâneo assim, pois ideologicamente coerente com o próprio governo federal, de matiz socializante ou pseudossocializante... Já de há muito tem ocorrido uma sucessão de episódios que visam desgastar a imagem dos parlamentares e demais representantes do povo. Por isso agora — e aí está o caráter revolucionário das manifestações — o povo quer (o que afirmaram muitos especialistas chamados a comentar os protestos nos canais televisivos) o poder popular, uma democracia mais amadurecida, mais participativa, diminuindo e até mesmo isolando os políticos — e muitos deles fizeram por merecer esta forte rejeição —, nos quais muitos não se sentem representados. Esta é uma tônica que merece ser refletida, para começar a entender os fatos atuais, que vieram como um choque da realidade, mas que não emergiu assim de modo tão inesperado, a um ano do período eleitoral de 2014. É evidente que há muita coisa combinada, entre os que financiam e promovem as manifestações. Por outro lado, não há dúvida que há uma forte adesão de significativos segmentos das classes alta, média-alta e média-média, sem, entretanto, desmerecer a participação da ‘nova’ classe média (a média-baixa), que sentiu o ‘gosto’ do consumo, da qual estava excluída.


         A proposta da presidente Dilma de realizar um plebiscito para a reforma política via iniciativa popular também lembra as estratégias já utilizadas em outros países da América Latina para reforçar as mudanças sociais mais complexas de forma manipulada, utilizando as massas para justificar tais mudanças. Só assim os grupos de poder entendem ser possível prosseguir a ‘revolução’ política e cultural que já vêm empreendendo há algumas décadas. Por outro lado, há ainda outras forças autênticas da sociedade que desejam efetivas e merecidas mudanças. Os políticos estão assustados e regridem em seus malfeitos legislativos como foi o caso da PEC 37, que objetivava calar a Promotoria Pública. Não há dúvida que se trava uma guerra surda das forças de direita e de esquerda para dominar a movimentação das massas. O governo federal e o Congresso, especialmente, entenderam bem o recado das ruas e não pretendem perder o controle. Se possível, tentarão mudar um mínimo para que as coisas fiquem como estão.
        
         Por isso, diante do que aconteceu esses dias, com o grau inclusive da violência manifestada no movimento, não se pode ficar indiferente ou alienado. É preciso ler nas entrelinhas, naquilo que não está sendo dito pela mídia, e estar mais atento para ver o que querem os atores deste novo ato no teatro de operações em que estão envolvidos os fomentadores de tais convulsões: o povo e os políticos. Estes buscarão ‘salvar a pele’ e os privilégios que têm. A liberdade é o produto da eterna vigilância? É sem dúvida produto de luta e engajamento consciente na busca da justiça social e da solidariedade humana.



         Estejamos, portanto, vigilantes!

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