sexta-feira, 26 de junho de 2015

Redução da maioridade penal: ilusão ou solução (parte 2)




Mesmo com todas as considerações anteriormente comentadas na parte 1, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Pela primeira vez, um órgão parlamentar reconhece que a matéria não afronta a Constituição e pode continuar sua tramitação no Congresso Nacional, permitindo ampliar o debate sobre essa questão tão delicada e polêmica.
Assim, de acordo com o parecer da CCJ da Câmara, a redução da imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos pelo artigo 228 da Constituição, pode ser alterada por emenda à Carta, uma vez que não está entre os direitos e garantias individuais elencados no artigo 5º, esses, sim, imutáveis.
De forma que devemos enfrentar o mérito da proposta. Deverão os delitos cometidos por jovens entre 16 e 18 anos, independentemente de sua gravidade, do grau de discernimento e periculosidade de seus autores, serem sancionados tão somente pelas medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre as quais a internação por no máximo três anos? Ou será preciso buscar uma maior correspondência entre as condições do delito e a gravidade das punições?
Faz um ano, um jovem brasiliense matou sua namorada com um tiro no rosto, pretextando ciú­mes. Filmou o assassinato com o celular, compartilhou as imagens nas redes sociais e ocultou o cadáver. Faltava apenas um dia para ele completar 18 anos. Preso no dia seguinte foi julgado com base no ECA e será posto em liberdade quando completar 21 anos, sem que nada conste em sua folha de antecedentes. Caso o crime tivesse ocorrido um dia depois, já aos 18 anos, não escaparia de uma condenação com base no Código Penal por homicídio muitas vezes qualificado. Poderia permanecer na prisão por 30 anos.
Fatos como esse, ainda que felizmente não sejam frequentes, exigem maior adequação do sistema penal aos dias de hoje. Por que, então, a redução para 16 anos? A partir dos 16 anos, o jovem vota se quiser, seu testemunho é aceito em juízo e pode ser emancipado, inclusive sem consentimento dos pais, se tiver economia própria. O Direito brasileiro reconhece, assim, que a partir dos 16 anos o adolescente tem condições de assumir a responsabilidade pelos seus atos.
Por isso é legítimo o debate que se abre agora: redução pura e simples da idade-limite para a aplicação da lei penal para os 16 anos (nos termos da proposta da Câmara dos Deputados) ou a redução da maioridade penal apenas em casos de excepcional gravidade, conforme emenda apresentada em 2012 pelo senador de São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira, quando o assunto não estava estampado nas manchetes, hoje considerada uma PEC que oferece um “caminho do meio” a essa discussão. Essa proposta do senador paulista mantém a regra geral da imputabilidade aos 18 anos, mas permite sua redução em casos excepcionais, mediante uma criteriosa análise do juiz e do Ministério Público, perante a Vara da Infância e da Juventude. Essa análise é chamada pelo autor dessa PEC de “incidente de desconsideração da inimputabilidade penal”.
Dessa maneira, diante de uma denúncia envolvendo um menor de 18 e maior de 16 anos, que tenha cometido uma infração capaz de ser enquadrada como crime hediondo ou múltipla reincidência de lesão corporal grave e roubo qualificado, o juiz fará, a partir de um pedido do promotor de justiça, uma avaliação, mediante exames criteriosos e laudos técnicos de especialistas, do grau de discernimento sobre o caráter ilícito do seu ato. Em caso afirmativo, o juiz da Infância e da Juventude poderia decretar a sua imputabilidade e aplicar a ele a lei penal. Condenado, o menor acima de 16 anos somente poderia cumprir a sentença em estabelecimento especial, criado especificamente para o cumprimento de penas por esse tipo de criminoso juvenil, isolado dos demais presos comuns.
Quer parecer que essa proposta do senador paulista busca uma solução intermediária e prudente, pois reconhece, a um só tempo, a evolução da sociedade moderna e um problema efetivo de criminalidade envolvendo menores. Essa PEC não foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado por uma escassa maioria, o que revela quanto o Legislativo está dividido. Apesar do calor da emoção, é preciso evitar que argumentos radicalizados impeçam o debate. O certo é que não podemos fugir ao debate pela saída mais conveniente: fazer de conta que nada acontece, que não é conosco!














Edição n.º 993 – página 08

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