Mesmo com todas as
considerações anteriormente comentadas na parte 1, a Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade de uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) que pretende reduzir a maioridade penal de 18
para 16 anos. Pela primeira vez, um órgão parlamentar reconhece que a matéria
não afronta a Constituição e pode continuar sua tramitação no Congresso
Nacional, permitindo ampliar o debate sobre essa questão tão delicada e
polêmica.
Assim, de acordo com o parecer
da CCJ da Câmara, a redução da imputabilidade penal, hoje fixada em 18 anos
pelo artigo 228 da Constituição, pode ser alterada por emenda à Carta, uma vez
que não está entre os direitos e garantias individuais elencados no artigo 5º, esses,
sim, imutáveis.
De forma que devemos
enfrentar o mérito da proposta. Deverão os delitos cometidos por jovens entre
16 e 18 anos, independentemente de sua gravidade, do grau de discernimento e
periculosidade de seus autores, serem sancionados tão somente pelas medidas
socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre
as quais a internação por no máximo três anos? Ou será preciso buscar uma maior
correspondência entre as condições do delito e a gravidade das punições?
Faz um ano, um jovem
brasiliense matou sua namorada com um tiro no rosto, pretextando ciúmes.
Filmou o assassinato com o celular, compartilhou as imagens nas redes sociais e
ocultou o cadáver. Faltava apenas um dia para ele completar 18 anos. Preso no
dia seguinte foi julgado com base no ECA e será posto em liberdade quando
completar 21 anos, sem que nada conste em sua folha de antecedentes. Caso o
crime tivesse ocorrido um dia depois, já aos 18 anos, não escaparia de uma
condenação com base no Código Penal por homicídio muitas vezes qualificado.
Poderia permanecer na prisão por 30 anos.
Fatos como esse, ainda que
felizmente não sejam frequentes, exigem maior adequação do sistema penal aos
dias de hoje. Por que, então, a redução para 16 anos? A partir dos 16 anos, o
jovem vota se quiser, seu testemunho é aceito em juízo e pode ser emancipado,
inclusive sem consentimento dos pais, se tiver economia própria. O Direito
brasileiro reconhece, assim, que a partir dos 16 anos o adolescente tem
condições de assumir a responsabilidade pelos seus atos.
Por isso é legítimo o
debate que se abre agora: redução pura e simples da idade-limite para a
aplicação da lei penal para os 16 anos (nos termos da proposta da Câmara dos
Deputados) ou a redução da maioridade penal apenas em casos de excepcional
gravidade, conforme emenda apresentada em 2012 pelo senador de São Paulo,
Aloysio Nunes Ferreira, quando o assunto não estava estampado nas manchetes, hoje
considerada uma PEC que oferece um “caminho do meio” a essa discussão. Essa proposta
do senador paulista mantém a regra geral da imputabilidade aos 18 anos, mas
permite sua redução em casos excepcionais, mediante uma criteriosa análise do
juiz e do Ministério Público, perante a Vara da Infância e da Juventude. Essa
análise é chamada pelo autor dessa PEC de “incidente de desconsideração da
inimputabilidade penal”.
Dessa maneira, diante de
uma denúncia envolvendo um menor de 18 e maior de 16 anos, que tenha cometido
uma infração capaz de ser enquadrada como crime hediondo ou múltipla
reincidência de lesão corporal grave e roubo qualificado, o juiz fará, a partir
de um pedido do promotor de justiça, uma avaliação, mediante exames criteriosos
e laudos técnicos de especialistas, do grau de discernimento sobre o caráter
ilícito do seu ato. Em caso afirmativo, o juiz da Infância e da Juventude
poderia decretar a sua imputabilidade e aplicar a ele a lei penal. Condenado, o
menor acima de 16 anos somente poderia cumprir a sentença em estabelecimento
especial, criado especificamente para o cumprimento de penas por esse tipo de
criminoso juvenil, isolado dos demais presos comuns.
Quer parecer que essa
proposta do senador paulista busca uma solução intermediária e prudente, pois
reconhece, a um só tempo, a evolução da sociedade moderna e um problema efetivo
de criminalidade envolvendo menores. Essa PEC não foi aprovada na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado por uma escassa maioria, o que revela quanto o
Legislativo está dividido. Apesar do calor da emoção, é preciso evitar que
argumentos radicalizados impeçam o debate. O certo é que não podemos fugir ao
debate pela saída mais conveniente: fazer de conta que nada acontece, que não é
conosco!
Edição n.º 993 – página 08
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