sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Quando restauração deixa de ser arte



O afresco que mostra Cristo com uma coroa de espinhos, momentos antes da crucificação, provavelmente se tornou o pior projeto de restauração de arte visto na Espanha, depois que a paroquiana Cecilia Gimenez decidiu que ele precisava ser salvo das manchas e do desgaste causados pela umidade do ar da igreja.” (Raphael Minder, The New York Times, 24/08/2012)




Há quase cem anos e na suave obscuridade de um dos pilares laterais do altar mor de uma igreja católica romana o Santuário da Misericórdia (em Borja, perto da cidade de Zaragoza, na Espanha), Elias Garcia Martinez pintou um afresco de 40cm X 50cm (1) no estilo conhecido como "Ecce Homo" (Eis o Homem).
No ano passado, uma devota paroquiana de 81 anos, admiradora da pequena obra, decidiu que a pintura precisava ser salva das manchas e da deterioração (2) causadas pela umidade do ar da igreja. Seu trabalho artístico transformou o solene “Ecce Homo” num desajeitado “Ecce Mono” (eis o Macaco) (3).
Embora os entendidos concordem que a pintura original tinha pouco valor artístico, depois da desastrosa tentativa de restauração da velha senhora Gimenez, o afresco se tornou famoso e conhecido. A notícia do “estrago” correu o mundo e atualmente, a imagem aparece em camisetas e capas para celulares, em canecas de café e rótulos de vinho.
O restauro de pintura é considerado uma disciplina afim da arte, razão pela qual o restaurador tem sido comparado ao artista. Historicamente, o restaurador intervinha sobre a obra, acrescentando-lhe parte da sua própria arte, o que em muitas ocasiões levava à modificação de certas qualidades estéticas, à perda ou à modificação do seu significado. Atualmente, o restauro inclui também a conservação, por isso o trabalho do restaurador não se limita à intervenção direta sobre a obra de arte, mas também ao dever de conhecer, avaliar e atuar sobre todos os parâmetros que contribuem para a preservação de obras e bens culturais, seja pela conservação ou pelo restauro, desde que respeitado seu significado histórico, sua estética, história e integridade física.  
Não parece ter sido esse o caso do que fez a senhora Gimenez. Basta ver o resultado (3) de sua intervenção artística. No entanto, a pequena cidade de Borja se transformou num destino turístico, com milhares de pessoas ansiosas não só por pagar um euro pelo ingresso para ver a surpreendente “restauração” do mural “Ecce Mono”, como para comprar as quinquilharias oferecidas nas lojinhas locais e online.
Os restaurantes locais e os barzinhos estão fervilhando de gente, e se pensa na produção oficial de mercadorias incluindo pratos decorativos, cartões postais, etc., com a renda sendo dividida entre o conselho local e Cecilia Gimenez.
Mas essa “restauração” é arte? De acordo com Christian Fraser, correspondente da BBC/Europe, o afresco “que antes era digno, agora parece o desenho de um macaco muito peludo (ou de um lobisomem) em uma túnica mal ajambrada ”...
Não, isso está longe de ser arte!


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