sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Surdinho, surdo-mudo, mudinho?



O título acima mostra uma dificuldade que muitas pessoas sentem quando querem falar sobre uma pessoa com perda auditiva.
Qual é o termo certo? Qual poderia magoar? Qual ou quais os mais adequados de se usar? Neste artigo, procuraremos discutir estas e algumas outras dúvidas relacionadas ao tema “perda auditiva/surdez”.
Para ajudar na resposta, há necessidade de uma primeira informação a respeito da real capacidade de falar de pessoas com perda auditiva/surdez: algumas pessoas que não ouvem bem não falam porque não escutam os outros falarem e nem a sua própria voz. Os seus órgãos da fala – pulmões, laringe, pregas vocais, entre outros - não apresentam qualquer anomalia e podem emitir sons. A constatação dessa afirmação pode ocorrer ao ouvirmos o choro, a risada ou a tosse de pessoas com perda auditiva: se fossem mudas, não haveria som ao chorar ou rir. Portanto, o que provoca a alteração da fala ou sua ausência é a alteração de audição.
Por essa razão, já podemos assegurar que os termos “surdo-mudo” e “mudinho” não estão corretos!
Ainda tratando de nomenclatura, a dúvida recai sobre qual seria o termo mais adequado: “surdo” ou “deficiente auditivo”? Quanto a isso não há consenso, mas sim escolhas que profissionais e pessoas com perda auditiva/surdez fazem, de acordo com sua concepção do que é ter perda auditiva ou ser surdo.
Eu, autora deste artigo, por exemplo, me utilizo do termo “surdo” para toda e qualquer pessoa que tenha uma perda de audição, independentemente de a perda auditiva ser de menor ou de maior grau na escala existente. E qual a razão para uma fonoaudióloga, doutora em linguística, utilizar um termo que pode ser considerado grosseiro ou rude por algumas pessoas? O motivo é minha crença de que o fato de a pessoa ter perda auditiva faz com que sua experiência de viver seja apreendida principalmente por meio da visão. Dessa forma, o mundo é percebido e significado visualmente, o que muda qualitativamente sua maneira de ser e estar no mundo. Esse modo de compreensão é compartilhado por muitos estudiosos da área da surdez, do Brasil e do mundo, e por grande parte da comunidade surda mundial, a partir de uma concepção sociocultural das diferentes maneiras de se compreender as diferenças étnicas, linguísticas, sexuais, religiosas, entre tantas outras diferenças existentes em nosso mundo. O lugar que cada grupo ocupa na sociedade se dá pela afirmação da diferença, e não pelo seu apagamento dentro de uma homegeinização entre os seres humanos. Para as pessoas surdas, a melhor tradução dessa experiência visual de estar no mundo é a existência e o uso da língua de sinais.
Mas há outra parte dos profissionais da área da saúde e da educação, e inclusive pessoas com perda auditiva/surdez, que utilizam o termo “deficiente auditivo” para denominar quem tem perda de audição, ou para se autodenominarem. Com base em que princípios fazem essa escolha? A partir da concepção de que a perda auditiva é uma patologia e, como tal, deve ser curada ou, no mínimo, minimizada, para que quem a apresente possa ser o mais parecido possível às pessoas que ouvem e falam. Essa é a “concepção clínico-patológica” e ela tem base em conceitos médicos.
Logo, o uso de um ou outro termo não é tão inocente quanto possa parecer à primeira vista, e assim se dá com todas as palavras que utilizamos para designar pessoas, coisas ou situações. Há sempre um sentido construído a partir das escolhas que fazemos no dia a dia.

Com essa pequena introdução aos assuntos relacionados à perda auditiva/surdez, espero ter colaborado para que possam parar e refletir sobre os efeitos que as palavras podem causar. 











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