“No princípio, eu me assustei como cidadã. Era difícil
acreditar que da Presidência da República foram postados ataques caluniosos a
pessoas, porque na democracia o aparato do Estado não pode ser usado pelo
governo para atingir seus supostos adversários. A propósito: não sou adversária
do governo; sou jornalista e exerço meu ofício de forma independente.”
(Miriam Leitão, O GLOBO, 09/08)
Vem tendo muita divulgação o fato de terem sido feitas
alterações nos perfis da Wikipedia de dois jornalistas. Isso justifica algum
comentário.
A articulista de O GLOBO
continua: “Ninguém, evidentemente, tem de concordar com o que eu escrevo ou
falo no rádio e na televisão. Há, em qualquer democracia, um debate público, e
eu gosto de estar nele. Mas postaram mentiras, e isso pertence ao capítulo da
calúnia e difamação. Saber que funcionários públicos, computadores do governo,
foram usados na Presidência da República para um trabalho sórdido assim foi um
espanto. Uma das regras mais caras do Estado de Direito é que o grupo político
que está no governo não pode usar os recursos do Estado contra pessoas das
quais não gosta.”
“Na democracia, em todos os governos, ouvi reclamações de
ministros e autoridades que eventualmente não gostaram de comentários ou
colunas que fiz. Mas eram reclamações apenas, algumas me ajudaram a entender
melhor um tema; outras eram desprovidas de razão. Desta vez, foi bem diferente;
a atitude só é comparável com a que acontece em governos autoritários. Alguém deu
ordem para que isso fosse executado. É uma política. Não é um caso fortuito. E
o alvo não sou eu ou o Sardenberg. Este governo desde o princípio não soube
lidar com as críticas, não entende e não gosta da imprensa independente.”,
queixa-se Miriam Leitão.
“Sim, eu faço críticas à política econômica do governo
porque ela tem posto em risco avanços duramente conquistados, tem tirado
transparência dos dados fiscais, tem um desempenho lamentável, tem criado
passivos a serem pagos nos futuros governos e por toda a sociedade. Isso não me
transforma em inimiga. E, ainda que eu fosse, constitucionalmente o governo não
tem o direito de fazer o que fez. É ilegal e imoral.”, termina o texto citado.
Jornalismo imparcial não existe, e quem duvidar disso
poderá se esclarecer assistindo o
documentário “Mercado de Notícias” (pôster anexo), do diretor e roteirista Jorge Furtado. Ele descobriu na peça homônima
do inglês Ben Jonson, publicada em 1625, uma "espantosa visão crítica,
capaz de perceber na imprensa de notícias, recém-nascida, uma invenção de
grande poder, em que questões polêmicas (censura e
imparcialidade, por exemplo) são abordadas”. Ao traduzir o texto dramático de Ben Jonson para outro meio de
comunicação (o cinema), Furtado evidencia a atemporalidade desse debate.
Aquilo a que uma imprensa responsável visa é que, na
feitura de suas matérias, os repórteres tenham a maior isenção possível, dando
igual espaço aos lados envolvidos.
O leitor que não concorde com as escolhas editoriais de um
veículo da imprensa e ache que usar de maneira agressiva, ofensiva ou malcriada
facebook, e-mail ou twitter para cobrar posições ideológicas que concordem com
as suas desconhece que a polêmica e o contraditório são parte do regime
democrático, no qual liberdade de imprensa e liberdade de opinião são
garantidas constitucionalmente.
Quem não souber lidar com as críticas, ou for incapaz de
conviver com a diversidade de pensamento, “não entende e não gosta da imprensa
independente”, como afirmou Miriam Leitão: todos têm direito a suas crenças,
simpatias e ideologias, e não há unanimidade (sempre forçada, imposta,
obrigatória) a não ser em regimes autoritários. Fora deles, consulte-se a frase
do jornalista e escritor Nelson Rodrigues sobre unanimidade.
Outra consideração a ser levada em conta é que
articulistas (que não são repórteres!) assinam seus textos e são os únicos
responsáveis por eles: é ocioso, desnecessário, dispensável, inútil, supérfluo
e prescindível querer impor-lhes palavras ou ideias.
Leituras, críticas construtivas e interpretações
divergentes não invalidam argumentos discordantes, antes levam à reflexão e ao
crescimento.
Ofensas não passam de ofensas: não contribuem e não
acrescentam.
Edição n.º 948 - página 01
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